sábado, 10 de maio de 2008

DROGADA E PROSTITUTA

Não sei ao certo bem qual estágio da minha vida passei nele os olhos furtivos e sôfregos. Piolho de estantes devorava o que me chegasse às mãos. Presa de bruxos tão diversos quanto Machado e Lobato, avalio, hoje, que foi prematuro o meu contato com a dura realidade do mundo das drogas li mostrado, num misto de documento e biografia pelos repórteres Kai Hermann e Horst Rieck. Digo o mesmo diante das esquisitices de Nelson Rodrigues; era cedo para digerir as conseqüências psíquicas da esquizofrenia e do incesto. A mitologia deveria tê-los precedido com sua didática. Inda bem que veio; anos depois, mas veio.
Como quer que seja, acho que os da minha geração, livrescos ou não, tiveram acesso à saga da menina Felscherinow (o F. do título). No meio da década de setenta, o livro, que corria no circulo alternativo, passou a ser leitura obrigatória. Pulava de mão em mão, na esteira das fotos – pudicas para os padrões atuais – das coelhinhas. Quero crer que, à época, nós, leitores febris, á mercê dos hormônios, na casa dos quinze, dezesseis anos, de famílias conservadoras, não nos dávamos conta do acachapante universo ali desnudado, enquanto fenômeno social. Não nos dizia respeito o “leitmotiv” da trama. Menos por alienação e mais porque a contravenção era assaz cabeluda e circunscrita a um distante avatar. Eu, pelo menos, optei por relancear a dramática experiência da adolescente com picos de heroína no “bas-fond” berlinense. Concentrei-me no lado picante: os fragmentos em que ela negociava o corpo pelos alucinógenos.
Mas não me julguem tão rápido. Penso que não havia pecado nessa concupiscência. Afinal, éramos, eu e os outros, impúberes como ela, sem parâmetros para uma análise elaborada sobre a temática central – ainda que esta se mostrasse às escancaras desde o princípio. Agora, aprendi que esse manto encobridor funciona como uma espécie de proteção automática: a sabedoria da psique juvenil ao se deparar com situações para as quais ainda não há modelo interno. Melhor ficar com o conhecido.
Ultimamente, à vista dessa lenga-lenga de marcha para lá, descriminação para cá, garimpando subsídios para reafirmar a mim mesmo que não estou sendo “careta” porque sou contra a maconha, volvi ao suplicio da pequena alemã. Fi-lo com a visão de homem maduro – de pai que deseja ser avô. E estejam convictos: se, aos quinze, recendia algum laivo de excitação daquelas páginas, aos quase cinqüenta só remanesceu a dor e a humilhação que a dependência química imputa ao ser humano.
E aos que, desorientados sob o ambíguo dossel de uma democracia que a tudo serve, defendem tais desatinos, cumpre-me recomendar: corram à livraria. Se não, o meu velho exemplar está às ordens. Contando que não deixem de ler (ou reler= “Cristiane F – 13 anos, Drogada e Prostituta” antes da próxima marcha...

‘Irenaldo Quintans’

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