sábado, 24 de maio de 2008

O POETA

Trabalha agora na importação e exportação. Importa metáforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador por conta própria, um desses que preenche cadernos de folha azul com números de deve e haver. De facto, o que deve são palavras; e o que tem é esse vazio de frases que lhe acontece quando se encosta ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua prática confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere, com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade; suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite, o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte.

Nuno Júdice

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