segunda-feira, 12 de maio de 2008

ÔI, MÃE

Ôi, mãe, espero que pelos caminhos cósmicos (que sinto existir) este texto chegue à senhora.
Saiba que estes cinco anos e nove dias da sua ausência têm sido difíceis em alguns sentidos. Por mais que trabalhe, escreva, vá ao cinema, converse com as pessoas, leia, etc e tal, sei que nada será como antes, nunca mais. Algumas coisas perderam o sentido, eu perdi a capacidade de sorrir abertamente, como fazia antes. Não sei mais o que é isso. Passei a dormir nunca antes das cinco da manhã, pra acordar tarde e diminuir a falta daquele café das oito em que a gente conversava, depois que a senhora já tinha lido o jornal do dia e a “Veja” no final de semana. Minha casa – que, na verdade é a casa que a senhora deixou – virou quase um dormitório, como se morasse noutra cidade e estivesse num hotel.
Não gosto dos sábados, domingos, feriados, pois neles a ausência se torna maior. Tem outra coisa, mãe. Caetano cantava aquela musica, que muitas vezes coloquei no som quando morávamos na Praça Dom Adauto: “ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração dos filhos”... “Mamãe Coragem”... A senhora lembra?
Aconteceu aquele dia de 68 em que tive que partir às pressas para o Rio de Janeiro, num Caravelle da Cruzeiro, e sei que a senhora e Léu ficaram chorando. Em Dezembro completaremos quarenta anos daquele episodio. Foi uma das separações. Mas, todas as separações, mãe, eram circunstanciais. A gente voltava a se ver, até que amadureci e ficamos juntos, sob o mesmo teto, em Cruz das Armas. Em 2 de Maio de 2003, a separação foi definitiva, mãe (ao menos aqui na terra).
Tenho a impressão de que essa ficha nunca vai cair. Sempre serei errante por mais que a trajetória do cotidiano esteja programada, mãe. Seu cheiro faz falta, mãe. Seu rosto, seu andar, sua aura, seu todo.
Dedido este texto, mãe, a todos os leitores que também vivem a experiência da separação definitiva. A qualquer um que hoje não tenha mais a mãe pra dar bom dia, um beijo. Pra dizer – ou tenso, ou alegre, ou de ressaca, ou relax – “oi, mãe” e receber de volta e sempre muito mais do que um simples “ôi”... Diga a Léu, que meu sentimento a ela se estende.

‘Carlos Aranha’

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